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Resumo

Este livro surge no contexto do projeto de investigação Photo Impulse1 que estuda as imagens fotográficas e fílmicas produzidas pelas missões de geodesia, geografia e antropolo- gia decorridas nas então chamadas possessões portuguesas do Ultramar, e que pertencem ao arquivo IICT/MUNHAC2. Do confronto que encetámos com a dramaturgia própria deste arquivo, e que é típica dos arquivos de um modo geral — as suas regras comportamentais, a sua coreografia de gestos e de deslocações no seu espaço interior, os seus sistemas de armazena- mento e localização de specimens, os critérios de catalogação e conservação, as materialida- des diversas das imagens que encontrámos —, surgiu o debate sobre o papel dos arquivos de imagens fotográficas e fílmicas na construção da história, pensada em duas vertentes: quer no sentido da construção do discurso histórico, isto é, da prática de escrita da História, quer no sentido do impacto político, social, cultural e até económico do arquivo no fazer da própria história no presente, a partir de múltiplas intersecções entre as visualidades aí disponíveis, e o espaço público contemporâneo, nomeadamente, nas pesquisas das ciências sociais, nas artes, nas atividades dos museus, no jornalismo e nos campos político e jurídico.

Quanto à primeira vertente, referimos propositadamente “escrita da História” pois se a atividade do/a historiador/a passa por uma relação com a escrita, esta prática tem vindo a ser interpelada pelos arquivos de imagens que desafiam a disciplina, não apenas do ponto de vista metodológico — numa disciplina onde o documento escrito sempre foi basilar — ao abrir a pesquisa à integração das imagens como documentos, mas também ao examinar a historicidade própria das imagens e da sua cultura, ultrapassando a ideia de uma imagem como mera ilustração dos eventos e personagens históricos relatados no texto e, em vez disso, perceben- do a imagem como objeto histórico que responde às suas condições e situações de produção, como interpretação visual do presente em que se situa e no qual participa, e não como elemento inerte e naturalizado. As imagens que hoje podemos encontrar nos diferentes tipos de arquivos, tanto públicos quanto privados, passaram a ser encaradas pelas ciências sociais e pelas artes, como construtoras da realidade social onde operaram e onde continuam a operar através de novas apropriações no presente. Esta “viragem pictórica”, debatida por Ana Maria Mauad num dos textos de abertura deste livro, suscita novas considerações sobre a visuali- dade que estas imagens produzem, ganhando protagonismo na compreensão do presente. A própria História da fotografia, nomeadamente em Portugal mas certamente também no Brasil, países de onde são oriundos a maioria dos autores e das autoras desta colectânea, só nas últimas três décadas têm vindo a integrar algumas das imagens existentes nos arquivos nacionais, públicos e privados, mas muitas estão ainda aí guardadas sem visibilidade e crítica no espaço público visual contemporâneo. Diversas razões concorrem para isto, desde razões legais de acesso e direitos de imagem das pessoas representadas, ao facto de terem sido produzidas em contextos científico ou vernacular, fora do espectro das artes que até então, orientava a historiografia da fotografia.

1.O impulso fotográfico: medindo as colónias e os corpos colonizados. O arquivo fotográfico e fílmico das missões portuguesas de geografia e antropologia é um projeto de investigação em curso no ICNOVA, até setembro de 2022, em parceria com a NOVA-FCT e o Museu de História Natural e da Ciência da Universidade de Lisboa, com o apoio da Fundação para a Ciência e a Tecnologia com referência PTDC/COM-OUT/29608/2017. Mais informações na página de internet do projeto em https://www.photoimpulse.fcsh.unl.pt/pt/inicio/

Publicado

2021-07-20

Como Citar

Flores, T. M., Correa, S. M. de S. ., & Vasconcelos, S. . (2021). Introdução. Livros ICNOVA. Obtido de https://colecaoicnova.fcsh.unl.pt/index.php/icnova/article/view/54

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Introdução